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Carioca, Daniel Filho, Leblon, Manoel Carlos, Rio, Rio de Janeiro, Zona Sul
Dizem que ser carioca é um estado de espírito. Eu acredito que todo carioca se considera uma espécie de celebridade. Eles estão sempre muito preocupados com suas respectivas imagens e com um público imaginário. Sem dúvida alguma, muitos se sentem dirigidos por Manoel Carlos ou Daniel Filho. O Rio não deixa de ser uma cidade cenográfica. E, para fazer parte do elenco dos engajados, por exemplo, você precisa:
– Gostar da música popular brasileira e da família Gil inteira
– Aplaudir e fotografar o pôr do sol
– Dizer que tem uma vida sexual plena, como se gozar fosse fácil
– Ter um cachorro com o nome de Mozart ou Freud
– Envolver-se em causas indígenas e projetos destinados a minorias oprimidas
– Falar sobre um mundo sustentável e fazer bebês novinhos, em vez de reaproveitar os que já estão por aí, abandonados
– Matricular seus filhos em escolas construtivistas e bilíngues, já que eles são os únicos que podem mudar o futuro do país
– Não ser racista ou preconceituoso e sofrer calado se seu filho aparecer em casa dizendo que está apaixonado por uma Thayanne
– Declarar-se espiritualizado, seja lá o que isso signifique
– Fazer ioga e ou stand-up paddle
– Ter uma bicicleta [elétrica ou não]
– Participar de manifestações e dizer que você gosta muito de teatro, mesmo que prefira cinema ou novelas
– Ser a favor da legalização da maconha por sentir-se muito mal em estar colaborando com o tráfico quando compra sua maconha do favelado [que você abomina nas praias, aos domingos]
– Fazer de conta que o sumiço do Amarildo mudou a sua vida. Aliás, Amarildo já foi completamente esquecido
– Odiar o transporte público com todas as forças, mas jurar que usa sempre que pode
– Ter ao menos uma tatuagem, mesmo consciente de que tal hábito tornou-se deveras popular nos últimos tempos. Sim, sua secretária [empregada doméstica] tem uma parecida com a sua, e você deve fazer de conta que isso não te incomoda
– Rir sempre, mesmo que seja de nervoso ou de si mesmo
– Frequentar o Country ou respeitar muito os que conseguiram ser aprovados como sócios
– Adorar sobrenomes estrangeiros e valorizar quem tem dupla nacionalidade
– Ir ao Bailinho e ser ou considerar-se amigo do Rodrigo Penna
– Frequentar as lajes das favelas [feijoada e samba], valorizando essa mistura que só o Rio proporciona
– Adorar carnaval
– Achar pitoresco ser maltratado pelos garçons dos bares mais tradicionais da cidade, em especial o Bar Lagoa
– Ignorar solenemente o morador de rua que dorme num papelão na esquina da sua casa e pensar: “Pago um IPTU altíssimo e ainda tenho que aturar isso”
– Não poder, em nenhuma hipótese, odiar exercícios físicos e dias ensolarados
– Frequentar o Lar de Frei Luiz
– Achar que, ao convidar o filho da empregada para a festa de aniversário do seu filho, você está cumprindo o seu papel no quesito “inclusão social”
– Ficar constrangido quando um pobre te pede dinheiro no sinal e imediatamente defender a linha do “não me entendam mal, mas não posso compactuar com isso”
– Receber amigos paulistas e sentir-se constrangido pela precariedade dos serviços cariocas, mas fazer de conta que o clima descontraído e despojado da cidade compensa tudo
– Ter vergonha de ler best-sellers e falar muito em viagens inesquecíveis para países estrangeiros
– Cumprir o papel do carioca que conversa na praia, mas jamais convida alguém para ir até sua casa [o contrário dos paulistas, que falam menos e convidam mais].
– Ter uma par de amigos gays deslumbrados, que frequentam restaurantes contemporâneos e chamam refeição de “experiência”
– Ter um par de amigos negros [de preferência, do mundo artístico]